Ou ‘Um leva ao outro e o outro leva ao um”
Pensei em escrever este ensaio a partir de tópicos que poderiam interessar àquelas pessoas que, exclusivamente, usam a escrita para se comunicar. E olha, sei que isto pode estar soando um pouco errado, pois que qualquer escrita, comunica (ou deveria); quer seja, expande o indivíduo para além das suas mensagens, seu corpo, tempo e espaço.
Mas acho que é isso mesmo: quando pensei no que escrever por aqui, imaginei pessoas que, diferentemente daquelas para quem minha escrita tem chegado, já reconhecem a importância deste processo simbólico e exclusivamente humano que é a escrita.
Pode parecer meio tolo eu querer focar nessa categoria de pessoas, mas, para que isto faça sentido, antes, talvez, você precise saber um pouco sobre mim: sou professora de Língua Portuguesa há 30 anos e segui este longo caminho à revelia de mim mesma, pois que o que gostava mesmo era de escrever. Certamente foi por isso que, quando adquiri uma relativa autoridade nos assuntos da nossa Língua e também nos da profissão, não hesitei em escapar desta última; dar um jeito de fugir das gramáticas e das regras. Isto pode justificar o fato de que hoje, passados 30 anos da primeira lição de português que dei para aqueles garotos e garotas de 13 anos, eu queira apenas ensinar a quem já deseje escrever.
Pois bem, agora você já sabe: este artigo tem destino certo: é para as pessoas que querem escrever melhor, que já se espantam com as escritas dos outros, que as invejam, que as desejam.
Não poderiam ser outros, portanto, os tópicos para abordar neste ensaio. São eles: o vocabulário, as conexões e o repertório – e os dedico agora mesmo à @borgesmanuelabrandao
Estes tópicos estão intrinsecamente ligados, é verdade. Um leva ao outro, e o outro leva ao um. Dito isto, acrescento: sob o peso dos 30 anos de prática com garotos e garotas, lousas e corredores, recorro a eles: aos conceitos que estão no livro.
Há um capítulo no livro Lendo e Argumentando, de Antonio Carlos Viana, que já citei à exaustão nas minhas aulas, cujo título é Processos de Expansão de Palavras, em que o autor explica que as palavras sofrem (isso mesmo, sofrem) um processo de expansão, seja pela identidade, pela associação ou pela oposição.
O autor ensina (não desta maneira!) que as palavras se submetem a estes processos, dominadas que estão pela força de quem as usa; e disso resultarão textos belos, trágicos, rasos, profundos, reveladores, engraçados. Estes processos habilitam nossa escrita, enobrecem-na, deixam-na mais clara, coesa, profunda. É como se a ficção não estivesse apenas nas ações do personagem, nos lugares em que ele vive, no tempo que ele gasta, mas em cada palavra que sai (ou não) da sua boca. A ficção se desenha pelo que a palavra é, parece ou simplesmente não é.
Edgar Morin dá um nome para estes processos todos: pensamento complexo. Muito, mas muito antes dele, Aristóteles falou de dialética, retórica e dos 3 raciocínios – a analogia, a dedução e a indução. É assim que, submetida à esses processos tão bárbaros, a palavra ‘amor’, por identidade, vira enamoramento. Por associação – intensificando sua barbárie – torna-se paixão; para só então destituir-se de tudo que estava em si, e transmutar-se em ódio.
Expande-se a palavra, alarga-se o repertório, pois que este nos leva a outros contextos. basicamente, uma coisa leva à outra.
E acho que desta forma, está tudo mais ou menos explicado.