Não ter o que escrever

Foto por Ruvim em Pexels.com

Garanto que você já disse isso alguma vez na vida:

“Não tenho o que escrever”.

Ou…

“Não sei o que escrever”.

Eu, de verdade, com certa frequência ouço isso dos meus alunos. E olha, não precisam ser adolescentes não… Ouço até mesmo dos adultos e dos idosos …

Não costumo retrucar esses argumentos assim de cara. Não sem antes olhar bem lá no fundo dos olhos de quem fala… Mirar assim dentro da alma das pessoas, geralmente as desconcerta e, por consequência, nem preciso lhes perguntar os motivos. As justificativas vêm quase logo em seguida, espontâneas:

Não estou a fim não…

Ou então:

Minha vida é uma mesmice… Contar o quê?

Dou um tempo para que elas mesmas se traiam: uns dizem que estão com preguiça (os adultos costumam substituir esta palavra por paciência), outros que têm vergonha ou medo, outras ainda que não se sentem capazes.

Tem também aquelas que juram estar sem tempo. Algumas se atrevem a dizer que não nasceram para isso.

Há quem refine suas justificativas: falam das habilidades lógicas, científicas ou do percurso escolar e da relação (abusiva) que tiveram com a escrita e a leitura… Há quem resmungue, envergonhado, sobre a eterna preguiça de ler – e culpa os livros por isso (como um filho que culpa a mãe). Sem falar nos que dizem que foram os destinos profissionais que as conduziram para um lado e não para o outro – sempre o mais longe possível.

Quando sinto que o meu silêncio está ficando insustentável, eu lhes digo:

Sério? Pois eu não. Adoro prosear. Conversar. Falar. Colocar o meu ponto de vista, argumentar! E ouvir outros tantos pontos de vista. Gastar meu tempo contando uma memória e ouvindo outras.

Um papo acompanhado de um café, então? Nem te conto. Quer me fazer perder o foco naquilo que estou fazendo? Esquecer a ansiedade ou a preocupação? No meio da manhã liga pra mim pra contar aquela ‘causo’. Sou toda ouvidos.

Acho que nasci contando histórias! Você não? Por falar nisso, vou te contar uma agora mesmo: hoje mais cedo…

Basta me dar corda e eu vou longe nessa história da narrativa. Pode ser um defeito? Sim, pode ser. Sou prolixa e tenho uma dificuldade enorme em desperdiçar palavras. Por outro lado, sei que são as histórias, escritas e faladas que me conectam com as pessoas e o mundo. Vou até a Lua se preciso para consegui-las. Sei que não seria nada sem as palavras. Mesmo que eu não as diga, eu sei que elas estão lá. Moram em mim. Tipo latifúndio. Por isso, chega uma hora que eu preciso libertá-las. Se não o faço, sinto que morro. Entristeço. Me acovardo. Encolho. Fico menor e menor.

Nem sempre tenho quem me leia. Ou me escute. Mas sempre escrevo e sempre falo.

Tenho sempre o quê e um porquê para escrever… O quê e para quem.

Pra falar a verdade, acho até que estou devendo umas histórias por aí.

3 Replies to “Não ter o que escrever”

  1. Sou exatamente assim. Amo escutar as pessoas falarem. Tanto pelo que falam, quanto pelo gestos que fazem. Gosto de observar a linguagem não verbal. Sobrancelhas que se arqueiam com o causo contado, sonoplastia própria do falante, o timbre das vozes. Fico atento a todo conjunto. E gosto de escrever. Confesso que, quando mais jovem, escrevia mais, sem freios e receios. Há pessoas que dizem – ainda tenho aquela carta que me escreveu tal e tal….na hora me dá um arrepio…fico pensando que bobagem falei. E assim vou seguindo.

  2. Um dom de todos os humanos a fala, que pode ou não virar escrita… mas o importante é que é história. Como sempre digo um transbordamento de nós mesmos. Texto lindo, como sempre.

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