Achei que seria bom começar o papo de hoje por ela, a matéria – prima da vida humana. Não é pouco, admito; e dito assim parece até uma presunção. Ainda assim, ouso mais: ela, a matéria – prima da vida humana, compõe este texto, do começo ao fim.
Mas, qual é a matéria – prima da vida humana? Com certeza é algo que faz de nós, seres humanos, diferentes dos demais seres vivos!
Estou falando dela, da palavra. Nenhum ser vivo deste Planeta pode ser considerado humano se não for feito de palavra.
Tudo aquilo que falamos, desfalamos, escrevemos (e até pensamos) é feito de palavras. E, cada uma delas tem a leveza e a força da tempestade… Ah! Essa frase não é minha (tive a delicadeza de escolher as palavras mais cuidadas, mais bem vestidas para colocar aqui). A frase é de Vitor Hugo; aquele que escreveu o Corcunda de Notre Dame. Aquela história que está no imaginário popular como uma narrativa de amor entre Quasímodo, o coxo, e Esmeralda, a cigana. Mas as palavras deste livro de mais de 900 páginas nos dizem muito mais do que isso: expõem a vida das pessoas na França no século XV; seus mendigos, seus burgueses, ciganos, soldados; as execuções em praça pública diante da Catedral; suas dores, seus medos, seus erros, suas verdades.
As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade…
No mais, a palavra dita e escrita também é força e poder. A palavra é o instrumento irresistível da conquista e da liberdade! E de novo, as palavras não são minhas; desta vez, de Rui Barbosa.
Gosto muito dessa forma de ver as palavras e, sempre que posso espalho essa ideia: devemos ter muita cura – e não apenas cuidado – com a palavra que sai das nossas bocas e atinge em cheio aos ouvidos dos outros. Mais ainda da palavra marcada na folha do papel… Do e-mail, do WhatsApp, do post… Elas são irresistíveis, muitas vezes, irreversíveis.
Não é à toa que, antes mesmo de conhecer o inimigo, deve-se aprender a Língua dele. Isso pode nos salvar a pele, quem sabe nos fazer descobrir uma mensagem secreta, perceber uma sutileza na fala, no tom da voz, uma intenção qualquer… A palavra em conjunto, em bando!, pode derrubar e levantar pessoas e nações.
A palavra é instrumento irresistível da conquista e da liberdade!
A este respeito, preciso falar mais uma coisa: lembro de ter ouvido, há alguns anos, uma história durante uma aula de Literatura Africana. Não me lembro dos detalhes, infelizmente; sei apenas que foi contada pelo professor Oswaldo de Camargo (um dos autores dos Cadernos Negros de 1978). Da história que ele contou, ficou gravada apenas uma cena na minha cabeça – pois que também é para isso que as palavras servem.
Ele narrava a história de poetas, escritores e jornalistas negros, exilados e presos durante o regime do Apartheid. Contou-nos a história de um poeta que, impedido de escrever, de gritar, de ser livre, traficava palavras: toda semana (ou todo mês), quando ele recebia a visita de um amigo na prisão, secretamente lhe passava um ou outro verso que guardava, com cuidado, escondido entre as gengivas… Um verso iludido, nada criminoso; afinal, era só um verso. Escrito com o hálito da injustiça, e do sofrimento, mas repleto de palavras irresistíveis. Irrepreensíveis. Frases traficando vento e tempestade, alguma coisa culpadas, totalmente doentes de conquista e de liberdade.
Cheinhas de humanidade.
E são estas as palavras das quais queria lhes falar hoje.
Deliciosa leitura. Nos faz refletir tambem também sobreobre a beleza sa palavra. Como ela nos transporta, Como ela cria movimento. Sou apaixonado por esse universo.