Alquimia

Ontem à noite me aconteceu de receber por WhatsApp um vídeo poema, mas, face ao adiantado da hora, resolvi assisti-lo somente hoje, nas primeiras horas da manhã.

Dormi em paz como há muito não dormia; acho que um prenúncio do poema que não vi. Na voz de Ivan Lima, o Poema Preso, fez emergir majestosa a alquimia de sua autora, Viviane Mosé – que neste mundo tão real que a gente vive é apenas psicóloga, psicanalista, doutora em filosofia e poetisa.

A coincidência se deu porque fui dormir pensando nesta palavra: alquimia – e em especial nos alquimistas que moram nas páginas de Guimarães Rosa e Garcia Marques… A este ponto, receber o poema foi mesmo uma coincidência mística.

Difícil escolher um trecho do poema, e se assim o fizesse sem achar que estava perdendo muito dele, seria porque teria decidido também despregar a voz do artista que o narrou da alquimia mesma do poema – e de sua autora e ter com ele uma experiência incompleta e injusta.

Por estes motivos, transcrevo abaixo o poema, na íntegra. Segue também o link para a narração sensível de Ivan Lima: https://youtu.be/kIGXSPIWe8Q

Ah, no sábado tem podcast no Spotify: Eu_Storyteller Estúdio.

Desta vez para falar dela, a alquimia.

Poema preso, Viviane Mosé

A maioria das doenças que as pessoas têm são poemas presos, abscessos, tumores, nódulos, pedras. São palavras calcificadas, poemas sem vazão. Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado, prisão de ventre, poderiam um dia ter sido poema, mas não. Pessoas adoecem da razão, de gostar de palavra presa. Palavra boa é palavra líquida, escorrendo em estado de lágrima.
Lágrima é dor derretida, dor endurecida é tumor. Lágrima é raiva derretida, raiva endurecida é tumor. Lágrima é alegria derretida, alegria endurecida é tumor. Lágrima é pessoa derretida, pessoa endurecida é tumor. Tempo endurecido é tumor, tempo derretido é poema.
E você pode arrancar os poemas endurecidos do seu corpo, com buchas vegetais, óleos medicinais, com a ponta dos dedos, com as unhas. Você pode arrancar poema com alicate de cutícula, com pente, com uma agulha. Você pode arrancar poema com pomada de basilicão, com massagem, hidratação. Mas não use bisturi quase nunca.
Em caso de poemas difíceis use a dança. A dança é uma forma de amolecer os poemas endurecidos do corpo. Uma forma de soltá-los das dobras, dos dedos dos pés, das unhas. São os poemas-corte, os poemas-peito, os poemas-olhos, os poemas-sexo, os poemas-cílios.
Atualmente, ando gostando dos poemas-chão. Pensamento-chão é grama e nasce do pé, é poema de pé no chão, é poema de gente normal, de gente simples, gente de Espírito Santo. Eu venho de Espírito Santo. Eu sou do Espírito Santo, eu trago a Vitória do Espírito Santo. Santo é um espírito capaz de operar o milagre sobre si mesmo.

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