Não é muito comum se pensar nisto, mas quando a gente se dispõe a contar a própria história de vida para alguém, não estamos apenas dividindo com as pessoas o que vivemos no passado. Em verdade, compartilhar nossa história de vida também dá sinais de quem somos no presente – nossas ações, pensamentos, condutas, virtudes e verdades. Mas há mais nisso: ao narrar nossa história (muitas vezes selecionando um trecho para contá-la) equivale a revelar o nosso DNA – pois que nela não estarão apenas as experiências passadas, mas também os vestígios do que elas, um dia, provocaram em nós. Estas narrativas justificam o conjunto de certezas (e dúvidas) que juntamos ao longo da vida e ajudam a compor o histórico das nossas percepções – sobre o mundo, sobre as outras pessoas e sobre nós mesmos.
Imagine, então, você, o impacto de uma história compartilhada; qualquer que seja ela. E já lhe digo: nunca perca a oportunidade de contar a sua ou ouvir a de alguém. No mínimo, isso fará de você um sábio de si mesmo, pois o levará a compreender quem você é – seus limites, sua lógica, sua ética, suas virtudes, suas dúvidas – e, com uma boa dose de empatia, se reconhecer no outro.
Digo isso por experiência própria. E dou um exemplo. Há anos sou storyteller com adolescentes e jovens, procurando viver, ao lado deles, momentos de sincronicidade humana: ensinando, praticando e exaltando a cultura e a comunicação não violenta, pedindo a colaboração deles para popularizar os conhecimentos a que, por sorte, já têm acesso. Essa minha história, quando contada, revela quem eu era, quem sou e quem irremediavelmente quero ser.
É assim é com você também.
Aliás, é bom que se diga que mora aí o propósito do Podcast Eu, Storyteller: aprender com as narrativas dos outros, ou seja, aquelas coisas que, nem se tivéssemos uma nova vida para viver, poderíamos aprender… Desta forma, quando decido contar aqui uma história, ou convidar algum storyteller para contá-la a você, é porque sei que, para construir tal narrativa, foi preciso que fossem vividas muitas, muitas experiências. Compartilhá-las é, por assim dizer, uma maneira de facilitar e simplificar o processo da aquisição de um conhecimento. Popularizá-lo.
Veja também se esta não é também a função da literatura: os livros nos levam para lugares e espaços que nunca antes visitamos. Eles nos subjugam a viver em tempos e situações impensadas; no corpo de alguém que não é o nosso… E como saímos desta leitura? Invariavelmente transformados. Também é assim que saímos depois de ouvir o storytelling de alguém. E, é claro, desnecessário é falar que por outras tantas mudanças também passam os próprios narradores.
Por isso sempre estou à procura de storytellers: para que possam me explicar aquilo que ainda não sei, algo que passou rápido demais pela minha vida, mas que eu mesma imagino que teria sido bom saber; senão fundamental. De fato, embora tenha sempre tido a consciência de que não somos apenas as histórias que vivemos, há pouco comecei a pensar que há histórias passando ao largo, cruzando para lá e para cá, sem nunca terem se interseccionado com as minhas. Me dei conta de que, em meio a tantos personagens e enredos voadores, há aqueles que vivem uma história que se avizinha da minha; por qualquer que seja o motivo.
Pelo que tenho observado, as histórias dos outros têm me dito que é preciso fazer algo pelo planeta, pelas cidades, pela saúde, pela cultura, pelas desigualdades de todo o tipo, pelas florestas, pela fome, pela pobreza – pela ecologia humana.
Eu já entendi que as histórias dos outros estão vizinhas às minhas; sempre rondando.
Cada pessoa só é capaz de dizer ‘eu’,
Se e porque pode, ao mesmo tempo,
Dizer nós. (Robert Elias – 1897 – 1990)