É atribuída ao Imperador Vespasiano (79 d.C) a seguinte expressão latina: “Vulpem pilum mutare, non mores” – o que, literalmente significa: “a raposa muda de cabelo, mas não de costumes”.
Esta expressão pode assumir variadas interpretações, sobretudo quando se considera a variedade de contextos; inclusive o mais simplista; por exemplo, ‘não é porque alguém parece (ou tenta) ser bom que é necessariamente bom’. O certo é que, nada, mas nada mesmo, nos assegura que a tal ‘raposa tenha mudado de costumes só porque mudou os cabelos’ – e eis aí a razão pela qual ‘nem tudo o que parece é’, e, consequentemente, tantas vezes, o que resulta é que ‘o dito acaba ficando pelo não dito’1.
Pensar em situações reais aplicáveis a estas expressões só as deixam mais claras e, na mesma medida, mais paradoxais e surpreendentes: pense na quantidade de ‘raposas’, que você conhece ou já ouviu falar, que ‘mudaram de cabelo’ sem ter ‘mudado os costumes’. Ou da quantidade de coisas que você lê ou ouve, mas que não são o que parecem ser. Ou pior: pense na variedade de situações que deixam você com a sensação de que ‘o dito ficou pelo não dito’.
Ora, qualquer discurso – escrito ou falado – inclusive este – só progride se alimentar inferências2, ou seja, tudo o que se vê, ouve ou se lê por aí deriva de conclusões, verdades e convicções. Se isto for correto, então é impossível que um discurso não seja carregado de intenções, por mais que tente se aproximar da neutralidade. É como se, a todo momento, ‘a raposa estivesse experimentando uma peruca nova’ – sem nunca deixar de ser uma raposa.
É preciso dizer que estas inferências em relação ao discurso (oral e escrito) não são gratuitas e ocorrem dos dois lados: de quem faz o discurso e de quem o recebe. E por quê? Ora, porque tais conclusões vêm do raciocínio, em especial da lógica, do nosso consenso – e isto talvez explique porque tem horas que a gente acredita na raposa e às vezes não.
Como se não bastassem, as tais ‘inferências’ não vêm apenas da lógica: elas comumente são marcadas no discurso pelas palavras escolhidas, pelas expressões e ‘verdades’ que escolhemos… Pelos objetivos primários, pelas intenções que alimentamos. Em resumo, pelas ‘perucas’ que escolhemos usar.
Nosso mundo sempre foi assim, pois que desta forma também é a humanidade. Mas está aí um motivo para nunca se conformar e sempre desconfiar. Fiquemos atentos às raposas e aos seus costumes. Não nos deixemos iludir por seus cabelos, para que ‘o dito não fique pelo não dito’.
Ah! Apenas um detalhe; também eu alimentei aqui as minhas inferências neste texto, motivada pelos discursos que ouvia mais cedo na Cúpula do Clima3; sempre torcendo para que “o dito não fique pelo não dito’ e que ninguém seja raposa -apesar dos cabelos.
2. Fiorin, José Luiz. Argumentação. Editora contexto. 2018. Páginas 31 a 45.
3. Cúpula do Clima: Veja discursos de Biden, Bolsonaro, Xi Jinping e outros líderes (cnnbrasil.com.br)